cada pessoa é um universo inteiro.
 
O que é que pode fazer o homem comum nesse presente instante senão sangrar? Nunca que A. se achou especial. Conhece bem a região, isso sim. Viu tanta coisa com seus olhos fundos, fundos como o coração da gruta. Sabia chegar lá, era bom de contar histórias, bastava para fazer uns trocados disso. Por mais que repetisse o mesmo caminho, sempre descobria algo novo; um pé de seriguela carregado, os passarinhos, um caramujo gigante se arrastando em pedra molhada, o espanto na cara dos turistas. Dormiu naquela caverna tantas vezes que era como voltar para casa. Em algumas noites, sonhou que era feito de pedra. Teve a sensação fresca de ser algo muito antigo. Eu sou pessoa! A palavra pessoa hoje não soa bem, pouco me importa. Era antigo sobretudo porque sabia que fazia parte de uma história muito mais velha que ele, mais velha que sua mão enrugada acendendo um cigarro. Não conheceu o pai. Não sabia de onde vieram os avós. Nordeste é uma ficção, Nordeste nunca houve! Tinha no rosto os vestígios borrados de uma história que envolvia fugas, sangue, tristeza, abandono. Essas não sabia contar. Sua língua aprendeu apenas as histórias que seus olhos viram, e sabia de tantas engraçadas. Não, eu não sou do lugar dos esquecidos, não sou da nação dos condenados, A. era de um país gigantesco, aquele que ficava na fronteira do seu próprio corpo. Sentava na beira de uma pedra e podia ficar horas sem falar com ninguém; diante da vista, tinha a imensidão da Chapada, a única terra que conheceu, embora olhasse para dentro, para o lugar onde guardava seus pertences mais valiosos. Conheço meu lugar. Como o caramujo, A. carregava sua casa nas costas. Suas memórias, ao menos, ninguém poderia arrancar dele.
ASPAS
“Minas Gerais é o primeiro amor de todo mundo porque Minas Gerais é o nosso começo. Foi ali, longe do mar, longe de continentes outros, que aprendemos que poderíamos ser, que poderíamos fazer, que poderíamos criar.”
– Editoras da Drops em Revista
Depoimento de uma mulher cuja casa alaga todo ano: “Eu escuto muito das pessoas: 'por que você não muda?'. Primeiro, a casa é minha. Segundo, vou vender aqui, vou comprar onde? E também não me vejo fora daqui. Praticamente nasci aqui. Aqui é o meu habitat.”
– No podcast 37 graus
“Nós crescemos acreditando que pertencer é costurado por ter.”
– Na newsletter da Mari Messias
“O povo indígena continua sem ter um lugar, e esse lugar tem que ser buscado a cada dia, como uma reinvenção do mundo.”
– Ailton Krenak
“Eu preferiria morrer a viver para ser um escravo. Eu então corri para o rio e me joguei, mas sendo visto por algumas pessoas que estavam em um barco, fui resgatado do afogamento.”
– Mahommah Baquaqua
ESCREVI
PAUSA PARA PODCAST
A persuasão é a protagonista do oitavo episódio de Bobagens Imperdíveis! Falo da estrutura desse discurso enquanto conto histórias da China Antiga, do mundo de Mad Men e de um escritor que li na infância – que, quando eu estava na faculdade de Publicidade, me ensinou uma lição importante sobre escrever propaganda. Quem será?
ÚLTIMAS
A grande novidade desta edição é que meu segundo romance vai ser publicado pela Rocco!!!
Chega de suspense! Agora sim vou poder falar dele como um livro perto de existir, não mais como uma história que estou escrevendo para ver no que vai dar. Vai ser um livro! Vai poder ser tocado, cheirado, vai poder entrar nos leitores de ebook, vai estar nas prateleiras, vai poder pegar poeira e ser levado para a praia, vai poder ser emprestado para jamais ser devolvido! Todas essas coisas que um livro faz. Inclusive ser lido!
Cidades afundam em dias normais. O título é provisório, mas a ideia do livro está toda aí.
Como fico ao fazer esse anúncio? Muito feliz, porque esse é um livro no qual estou trabalhando há quase 3 anos e tem muito de mim nessa história. Muito mesmo. Também um tanto apavorada, pelo mesmo motivo. Mas, acima de tudo, fico agora muito ocupada, porque quero reescrever muita coisa. E ainda tem o mágico processo de edição com a Rocco para que o livro fique lindo e definitivamente pronto, então a previsão é que só saia ano que vem.
Por que esperar? Já quis compartilhar com você para ao menos fazer um brinde de comemoração. Já abri um vinho por aqui, e você?
Um beijo,
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